Por: André Santa Rosa

O Movimenta Cineclubes já promoveu mais de 70 sessões em 40 bairros da RMR. Foto: Reprodução/Facebook
Um espaço popular para debater o
fazer cinematográfico, o que nos afeta e as relações do cinema com a nossa
sociedade. Os cineclubes surgiram na França, por volta de 1920, com Louis
Delluc, tendo sua gênese muito ligada aos subúrbios operários de Paris. No
Brasil, só foram ganhar corpo na segunda metade do século passado, com o “Grupo
do Paredão”. Eles foram espaços fundamentais para o debate e democratização do
acesso ao cinema. No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), inclusive, a
redação teve como tema esse desafio para o futuro de toda cadeia produtiva do
audiovisual nacional. No Recife, diversas iniciativas de cineclubes têm se
empenhado em manter a cultura desses espaços viva, com o papel de formação de
um público consumidor da sétima arte, principalmente em comunidades periféricas
da Região Metropolitana.
A professora Yanara Galvão,
integrante da Federação Pernambucana de Cineclubes (Fepec), ressalta a
importância do papel dos cineclubes na conjuntura atual, pensando a influência
deles no acesso ao cinema. “Os cineclubes não têm fins lucrativos, todos têm o
foco no acesso do público. A história dos cineclubes vem do movimento de
resistência, desde o século 20”, afirma. “No período da ditadura, aconteceram
cineclubes e também, no cenário atual, existe uma certa urgência. São lutas
necessárias para garantir a sustentabilidade e continuidade desses projetos,
que tem como princípio levar e abrir um debate que abrange realidades
diversas.”

Uma iniciativa recente que tem
viabilizado e dado novos ares aos cineclubes é o Movimenta. Ele surgiu em
dezembro de 2018, como diálogo da Associação Brasileira de Documentaristas e
Curtametragistas de Pernambuco (ABD), Associação Pernambucana de Cineastas
(Apeci), Mulheres no Audiovisual PE e Frente Brasil Popular. “Surgimos com a
proposta de ser um agente no processo de formação, com facilitadores,
profissionais do audiovisual, articuladores e as pessoas das comunidades”,
explica Thiago Mercês, coordenador do Movimenta Cineclubes.
A iniciativa atua como facilitadora
em 20 bairros e já realizou mais de 70 sessões. “Muitas dessas comunidades
queriam os cineclubes, por serem um espaço de debate sobre os problemas e as
demandas deles”, diz Thiago. A intenção do projeto é montar uma formação
continuada, sempre buscando estimular as narrativas de cada comunidade.
O trabalho da estudante de geografia
Vitória Caetano já é uma das reverberações do projeto. Fundadora do Cineclube
Favela Ativa em Jaboatão dos Guararapes, a jovem conta como a inserção de um
cineclube integrado e criado pela própria comunidade alterou a utilização de
certos espaços. “Onde eu moro, não tem espaço de lazer. Em 2016, conheci uma
galera do grupo de capoeira, que treinava em um campinho que um dia já foi um
lixão. Eles mesmos tiraram o lixo de lá para poder treinar. Decidimos fazer
nossos corres, já que ninguém fazia por nós mesmo. O cineclube surgiu por meio
de uma sessão. No começo desse ano, conhecemos o Movimenta, fizemos o curso de
formação e trouxemos para a comunidade”, afirma.
“A gente só tinha acesso a um cinema
comercial de shopping, que é supercaro. Não é todo jovem que tem 20 reais para
dar em um ingresso. Até no sentido de trazer a força política do filme ou mesmo
como lazer. O cineclube torna algo mais próximo, algo mais gente”, conta
Vitória. O sucesso do cineclube é tanto que seus realizadores já sentem a
necessidade de produzir material audiovisual, que se integre com suas demandas.
Mesmo assim, ainda há um longo processo para qualificação do cineclube, já que
materiais utilizados, como projetor e computador, são todos emprestados.
CRESCIMENTO
São tamanhas as conquistas do cinema
nacional nos últimos anos, como o aumento do número de produções, que, segundo
dados de uma pesquisa da ESPM Rio, cresceu cerca de 1000% (se formos contar os
13 lançamentos em 1995 contra 142 em 2016). Apesar disso, a professora Yanara
ressalta que toda essa produção precisa ser mais equilibrada em sua forma de
acesso e democratização. “É preciso falar das políticas públicas que garantam a
difusão desses filmes. A produção aumenta, mas faltam políticas públicas para
formarem o público. E os cineclubes vêm nessa resistência e na conscientização
da população também, sobre os seus direitos em relação ao acesso das obras.”
O cineclubismo é um entre vários
agentes de possível mudança no acesso à sétima arte. Com toda sua maleabilidade
e adaptação a diferentes realidades, são projetos de possível mudança social,
como ressaltado por Thiago. “Eu vejo o cineclube como um processo popular. Ele
é construído pela sociedade. Quando eu penso em democratização do acesso ao
cinema, eu penso nas pessoas das comunidades trazendo suas próprias narrativas
e sendo representadas em tela.”
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